segunda-feira, 17 de abril de 2017

Apesar de Você

Uma das coisas as quais tenho a agradecer ao meu pai, com relação ao meu gosto musical, se deve ao fato de que foi ele quem me apresentou a obra de Chico Buarque. Mesmo sem entender seu real significado ou sua profundidade, cantarolava "A Banda" e "Roda Viva", no auge dos meus 10, 12 anos, já com uma enorme admiração pelo compositor.

Essa admiração aumentou substancialmente quando, já adolescente, comecei a ler e me inteirar acerca do período da ditadura militar. Nenhum brasileiro escreveu tão bem acerca deste período como Chico, mesmo jamais tendo citado uma única vez a palavra ditadura em suas letras (ao menos, que eu lembre). Sua sutileza era magistral, na arte de tentar transmitir a angustia vivida à época, sem cair nas garras da censura.

Mas não foi só de versar sobre a ditadura que Chico foi mestre. Suas letras românticas -  poesias musicadas - me deixam embasbacado até hoje. Fora que Chico foi talvez o primeiro artista brasileiro a falar sobre o abuso contra a mulher, mesmo antes do feminismo aportar por aqui.

Por falar em mulheres, Chico compôs inúmeras canções voltadas às vozes femininas, escrevendo de maneira eloquente sobre os anseios e medos das mulheres que, sabemos, não tinham muita voz ativa naquele período. Como esquecer de músicas como "Meu Amor", "Folhetim" e "Geni e o Zepelim"? Chico tem enorme facilidade e desenvoltura de transitar entre o masculino e o feminino com uma naturalidade única e genuína.

Como vocês já devem ter percebido, eu poderia discorrer horas à fio sobre a obra de Chico e, mesmo assim, não conseguiria chegar próximo de explicar sua importância para o país, e para mim, fã incondicional de sua obra.

Entretanto, nem tudo são flores abaixo da Linha do Equador. Essa semana me deparei com a notícia de que "intelectuais e artistas" lançaram um manifesto contra o desmonte do país. Me dei ao trabalho de ler o documento, afinal, não é de bom tom criticar de forma leviana.

Não me choquei com o conteúdo - afinal, eu já imaginava o que viria -, mas me constrangi fortemente pela ideia central do documento: que o governo atual acabou com um país que era um paraíso, graças ao governo de Lula e Dilma.

Dentre os inúmeros devaneios contidos no manifesto, o movimento critica veementemente o que chamaram de "esvaziamento do BNDES" e o "esquartejamento da Petrobrás". São contra privatizações e acreditam na estatização de tudo no país. Estranho que isso me faz lembrar um certo país sul-americano que enveredou exatamente por esse caminho apontado pelos ditos intelectuais, e... bem, digamos que virou uma "Venezuela" o tal lugar.

Me constrange profundamente, como brasileiro, que ainda existem pessoas que justificam a roubalheira institucional instaurada no governo petista, baseando seus argumentos em falácias repetidas ao longo dos 14 anos em que estiveram no poder. Como alguém pode defender que as principais empresas estatais do país fossem utilizadas como aparato político de um partido que não governou para os brasileiros, e sim, em sua própria causa?

Repetem o mantra do governo que "acabou com a pobreza" e que tudo que aconteceu no Brasil é culpa do "Golpe".

Certamente, os intelectuais possuem uma memória curta demais, ou possuem um caráter questionável por concordar com isso. de qualquer forma, vamos aos fatos, que é o que realmente importa. Houve golpe? Sim. Isso é indiscutível. É claro e cristalino que o Governo Michel Temer só existe graças a um enredado esquema, cuja magnitude não sou capaz de alcançar, tampouco apontar seus principais engendradores. Entretanto, o governo do PT, através do aparelhamento das estatais para servirem de enormes cabides de emprego e caixa para pagamentos às construtoras, frigoríficos e mais um sem-fim e empresas e ramos de atividade, tentava dar o seu golpe também, fazendo de tudo para se perpetuar no poder, transformando o país em uma ditadura de esquerda. No governo petista os ricos ficaram ainda mais ricos e, dando esmola aos pobres, chamaram isso de "divisão de riquezas". Uma pinoia! Quem, por fim, acabou tendo que dar seu dinheiro nessa "divisão" foi o assalariado, que é quem carrega tudo isso nas costas e não tem ninguém para lutar por si.

O governo de Michel Temer não tem qualquer legitimidade para reformar coisa alguma, bem como nossos deputados e senadores, que estão com os bolsos recheados de dinheiro de empreiteiras. Mas, quem colocou o PMDB no jogo, em nome da "governabilidade"? Demonizar o PMDB, agora, é coisa mais fácil do mundo. Agora, assumir a responsabilidade por ter sido, no mínimo, conivente com o PMDB durante tanto tempo, o PT não quer.

Sobre a diminuição da desigualdade, podemos fazer duas leituras que não são excludentes, exceto em mentes perturbadas ou maliciosas. Pedir para alguém que morre de fome estudar, para tentar melhorar de vida, é a mais pura maldade. Quando você está com fome, você ficar irritado e não consegue pensar em mais nada. Agora, imagina você ficar 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano com fome, e sem a opção de abrir a geladeira ou armário para pegar algo para comer? Essa é a realidade de muita gente no país.

Portanto, ajudar em caráter emergencial essas pessoas era salutar, e nisso, o governo Lula agiu rápido - e corretamente, ao meu ver. Só que uma solução emergencial deve ser estabelecida apenas enquanto a solução definitiva estiver sendo organizada. E, obviamente, não foi o que vimos acontecer. Aliás, o que vimos foi o programa sendo utilizado para amedrontar quem recebia o benefício, a cada eleição, sob a falácia de que "se outro governante não petista assumisse, o programa seria extinto".

Nunca vi qualquer movimento do governo petista para retirar as pessoas da condição de "esmoleiros institucionais". O Bolsa-Família deveria ser um programa muito mais complexo, onde o objetivo fim deveria ser tirar as pessoas da condição de miséria e, posteriormente, possibilitar que elas pudessem viver em uma condição mais digna e sendo responsáveis por seu próprio sustento. Não foi nada disso que vimos acontecer. O Bolsa-Família se tornou o grande cabo eleitoral do governo petista e, portanto, nunca foi intenção do partido em tirar a pessoa de sua condição de miséria. E o povo, que já não é muito acostumado a pensar, aceitou a esmola de bom grado e continuou apertando o "13" com força nas urnas.

E então voltamos ao Chico. Não sei se foram os anos de batalha contra a ditadura, ou o peso da idade, que avança sobre seus ombros de forma impiedosa, que o transformaram nessa figura patética, que apoia aquilo que não merece apoio, o que não tem governo, o que não tem vergonha.

Minha admiração pela obra de Chico permanece imaculado. Inclusive, enquanto escrevo esse texto, estou ouvindo algumas de suas canções, e não tenho qualquer pudor em chamá-lo de gênio, apesar de você se esforçar tanto para que eu mude de ideia. Trocando em miúdos, na verdade, até você sabe a verdade, só não quer admitir, e acho isso tudo uma pena.

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