quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Cidadão de Bem

Me causa estranheza uma certa estratificação a qual estamos sujeitos, muito recorrente em nosso dia-a-dia, e amplamente utilizada pelas mídias de maneira inescrupulosa, sem que se faça qualquer análise sobre seu significado. Quantas vezes não vimos/lemos/ouvimos a expressão “cidadão de bem”? Mas para você, quem é esse cidadão?

 

Segundo a maioria da opinião pública, cidadão de bem é aquele sujeito de originário de um clã tradicional, que estudou em um bom colégio, depois virou médico, contador ou engenheiro, constituiu uma família baseada em valores cristãos, ou seja, homem casado com mulher, com dois filhos, cachorro, papagaio e casa na praia de Imbé. O cidadão de bem vai à igreja nos domingos e participa da associação de moradores do bairro.

 

Cidadão de bem usa camisa polo, calça jeans e sapato mocas sim, mesmo nos finais de semana. Anda sempre de barba feita e usa um pijama de algodão. É reconhecido pelos seus pares como um sujeito acima de qualquer suspeita e, um dia, quem sabe, será vereador da cidade, sendo este o ápice da vida de um verdadeiro cidadão de bem.

 

Como tudo isso me soa falso! Como tudo isso me causa asco! Não tanto pelas enumerações que fiz acima. Elas, se pensadas de forma individual, são coisas corriqueiras e banais, sem qualquer significado aparente. O ponto focal desta análise é a forma tornaram a junção de todos esses aspectos nessa caricatura de uma pessoa de conduta ilibada, que deveria servir de exemplo aos demais, como poço de virtude, sucesso e retidão de caráter.

 

Esses mesmos “cidadãos de bem”, normalmente, não gostam dos negros, tampouco dos pobres. Pensam que bandido bom é bandido morto. Condenam as prostitutas, enquanto pagam abortos em clínicas ilegais para suas filhas. Internam seus filhos em clínicas de reabilitação afastadas para que seus pares não saibam de suas desgraças. O cidadão de bem não transa com a esposa há cinco anos e resolve seus fetiches e desvios na cama das mesmas garotas de programa que condena na vida social. Garotas que, algumas vezes, nem mesmo são “garotas” de verdade.

 

O cidadão de bem sonega impostos, incluindo despesas médicas inexistentes na sua declaração de IR, suportadas por recibos fornecidos por outro cidadão de bem amigo seu, afinal, todo mundo faz isso, não é mesmo? Cidadão de bem, quando empresário, explora funcionários, pagando-lhes salários vergonhosos, sob o velho discurso falacioso de que “está gerando riqueza ao país”. O que ele esquece de citar são as condições insalubres a que seus funcionários são expostos, ou as “manobras contábeis” feitas em seus livros, somente para aumentar seus lucros (a alta carga tributária brasileira não é foco desse texto, pelo menos hoje).

 

Ser cidadão de bem, nesse contexto cantado em prosa e verso por aí, é ser, antes de tudo, um engodo, um mentiroso. É uma fabricação da própria sociedade, como forma de separar seus “melhores frutos” do lixo. A sociedade deveria perceber que ao invés de temer o mendigo, o negro, ou o pobre, deveria, na verdade, combater urgentemente o cidadão de bem, pois este é capaz de inflingir mais danos à população que qualquer bandido destes que “merecem morrer”.

 

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