quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Neste mesmo dia, há dez anos, quebrei uma cadeira de plástico na parede...

Hoje, precisamente, faz dez anos do que se conjecturou chamar de “A Batalha dos Aflitos”. Alguns incautos, cada vez que um gremista fala algo sobre esta data, bradam sobre um possível “apequenamento” decorrente de nossas lembranças daquele dia. Porém estes jamais serão capazes de entender. Só sendo gremista para entender os nossos “por quês”...
Assisti àquele jogo com meu pai, colorado, em uma tarde de calor de novembro. Fazia uma semana do famoso jogo do “pênalti no Tinga”, contra o Corinthians. Quando o juiz Marcio Resende, não só sonegou aquele pênalti, como ainda, expulsou Tinga, meu pai quase teve um enfarte. Inconformado gritava “Estão nos roubando! Estão nos roubando descaradamente!”. Até hoje, penso que ele só sentou para assistir ao jogo do Grêmio comigo, na esperança de que o pior acontecesse, afinal, só isso poderia acalmar seu coração colorado, machucado pelo apitador corintiano na semana anterior.
Eu estava tenso desde cedo naquele dia. Fui em quase todos os jogos daquela campanha, e tirando um ou outro confronto mais fácil, em geral, os jogos eram duros. A ausência de qualidade técnica do Grêmio era visível, e subir novamente à primeira divisão não seria tão simples como alguns insistiam em querer afirmar. Além disso, já se ouvia falar há algum tempo que, se não subíssemos naquele ano de 2005, as coisas poderiam se tornar bem piores dali para a frente. O futuro do Grêmio dependia daquela partida.
Com a bola rolando, o jogo foi daqueles que convencionamos chamar de “jogo truncado”, para não chamar de jogo ruim mesmo. Muita transpiração, pouca inspiração. Até o lance do primeiro pênalti, nada de muito empolgante tinha acontecido, tirando um chute a gol do Náutico. Hoje, olhando com calma e clareza, apesar de continuar achando que não foi pênalti, penso que 50% dos juízes brasileiros marcariam a penalidade em um lance daqueles. Na Europa, duvido que marcariam.
Já naquele momento, algo de diferente se desenhava para aquela partida, afinal, Bruno Carvalho mandou a bola na trave de Galatto. O final do primeiro tempo e metade do segundo tempo transcorreram sem maiores sobressaltos de parte a parte. O Náutico era um time bagunçado, e não conseguia atacar o Grêmio com perigo. Já o Tricolor, se defendia bem, esperando o Náutico, pois o empate, no caso, já nos garantia na primeira divisão.
Aos 26 minutos do segundo tempo, as coisas começaram a ficar realmente estranhas e, mais ainda, tensas. Escalona, lateral mundialmente conhecido por já entrar nas partidas com um cartão amarelo garantido, tascou o braço na bola, após um drible e foi expulso. Jogaríamos com 10 o restante da partida. Jogaríamos...
Só que, aos 35 minutos do segundo tempo, ocorreu o lance que marcaria, definitivamente, aquela partida como sendo uma das mais impressionantes do futebol mundial. Um jogador do Náutico chuta forte em direção à meta tricolor. Nunes, que estava no caminho da bola, em um movimento de autodefesa, cruza o braço em frente ao peito, posicionando-o junto ao corpo. A bola, caprichosamente, bate na ponta de seu cotovelo, entretanto, sem qualquer movimento do jogador para que isso ocorresse. O “saudoso” Djalma Beltrami emitiu um silvo em seu apito, apontando a marca da cal.
Não foi pênalti (hoje seria, segundo a tal recomendação controversa da International Board, que o Diori Vasconcelos adora interpretar de maneiras diversas), e sempre tive convicção disso. Porém, seja por conta de um erro normal, ou talvez algo mais, aquele apitador iria ferrar de vez com o Grêmio. Não retornar à primeira divisão significava que o clube teria um horizonte sombrio e incerto para os próximos anos. Alguns, inclusive, diziam que uma eventual permanência na série B decretaria a falência definitiva do Grêmio.
Eu, que já estava uma pilha de nervos por aquele jogo desde as primeiras horas da manhã, não consegui suportar aquele duro golpe: Sob o olhar ainda incrédulo de meu pai colorado, enfiei um bico na cadeira de plástico em que eu estava sentado. Ela se espatifou contra a parede. Saí em direção ao portão da frente de casa. Precisava respirar. Não consegui mais olhar todo aquele absurdo sem poder fazer nada. Não conseguia acreditar que passaríamos mais um ano de penúria e desilusão.
Mesmo de longe, ouvia meu pai dizendo: “Expulsaram um! Expulsaram outro! E outro!”. Era humilhante demais. Já previa o término da partida por falta de jogadores. Um final melancólico, que jamais faria frente à nossa história de vitórias.
Passados alguns minutos, voltei a passos lentos, quase me arrastando, para assistir ao desfecho daquele circo armado pelo tal Beltrami. Permaneci em pé (afinal, não tinha mais cadeira), aguardando o golpe de misericórdia que seria dado no moribundo Tricolor.
E foi aí então que as coisas ganharam a conotação de lenda, beirando o inacreditável. Os jogadores mais experientes do Náutico começaram a se eximir da cobrança, deixando toda a responsabilidade para Ademar. E Ademar sentiu a pressão, de fato.
Quando o zagueiro do Náutico partiu para a cobrança, baixei a cabeça para não ver. Fechei os olhos, convicto do fim. Em uma fração de segundos, pude ouvir meu pai dizendo em tom baixo, quase como uma lamúria, e com um ar de incredulidade: “Não acredito...”.
Voltei os olhos para a TV a tempo de ver a reprise da defesa de Galatto. Com as pernas e com a sorte. Não havia técnica, só raça. Mas apesar da alegria, ainda restavam, sei lá, talvez uns 10 minutos de jogo. Como aguentaríamos com apenas 7 em campo?
E aí, o improvável se tornou definitivamente inacreditável. A defesa do Grêmio cortou a cobrança de escanteio do Náutico. Anderson (esse mesmo que hoje beija o escudo o Inter), pegou o rebote, avançando até o meio-campo, onde fez uma tabelinha com Marcelo Oliveira, seguindo pela lateral até o campo de ataque, onde arriscou um drible em Batata, quando foi derrubado. Esse era o momento de “morcegar” o jogo, não é mesmo?
Não para Anderson. Ato continuo, após Batata ser expulso, Marcelo encosta a bola para ele, que dispara em direção à área, passa pelo zagueiro e, na saída do goleiro, toca de perna esquerda, para o fundo das redes. A partir daí, não lembro de muito mais coisas. Só lembro de meu pai levantando de sua cadeira, sem falar nada, e saindo em direção a qualquer lugar, bem longe daquela TV, bem longe da minha explosão de alegria, longe daquilo que ele, simplesmente, não podia acreditar.
Hoje, alguns tentam desdenhar de tudo isso. Nos dizem, esses, que comemoramos um título de série B. Ledo engano. Comemoramos o que fomos capazes de fazer, em um cenário absurdamente adverso. Comemoramos uma vitória com 7 em campo, tendo um pênalti contra e um estádio adversário lotado. Comemoramos que o Anderson não morcegou o jogo depois de sofrer falta do Batata. Comemoramos sua arrancada em direção ao gol, mesmo que isso parecesse impossível. Comemoramos aquilo que, provavelmente, jamais será repetido.

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